quinta-feira, 15 de maio de 2008

Olhares

O tempo passa e a vida acontece.

Não para, não abranda, alheia ao nosso ritmo de acontecer.

Fez 3ªfeira 2 meses que o meu pai rumou a outro plano...
Ás vezes o tempo atropela-me, salto de uma data em outra como se elas se sucedessem sem intervalo. Primeiro a Mãe fez anos, depois assinalaram-se 2 meses da sua partida, logo de seguida o dia da mãe e agora, 2 meses decorridos da partida do meu pai.

A saudade começa a ser pesada, agora que o tempo me permite olhar para tudo de outra maneira. Olho para o espaço de outra forma.

Quando percorro as ruas de Lisboa, algo que julgo nunca ter feito tanto como agora, observo...As pessoas deixaram de passar por mim sem que eu as visse... É estranho...vejo a sua fragilidade, como se fossem de cristal e imagino as suas vivências.
Por outro lado, as ruas parecem-me vazias sem vocês.Parece que a cidade mudou...Esta sensação estranha de espaço vazio. Este pensamento por saber que vocês não pisam o mesmo solo que eu, a tristeza por saber o quanto gostavam de viver, a sensação de receio ao ver que o tempo não para e a vida continua, num espaço que parece igual, alheios à vossa ausência.

Nunca quis ficar a morar em Lisboa, não é segredo para ninguém, mas talvez poucos saibam como amo esta cidade. Passei a aprecia-la desde que cá deixei de morar. Acho-a linda, mágica, carismática.
Na 25 de Abril, entendo o olhar por essa visão magnifica e penso neles, sobretudo quando o olhar alcança Belém.

E fico a pensar que vocês não mais percorrem estes caminhos.

Que caminhos percorrem vocês agora?

Os meus pais adoravam viver e ver.

O meu pai disse "não te esqueças que quando deixarmos este mundo, apenas levamos aquilo que vimos. É isso que deves ter em conta quando pensares no verbo ser e no verbo ter."
Consola-me e orgulha-me saber que ele tinha um olhar cheio de tudo, que a sua bagagem foi carregada de beleza e vida.

Uma das coisas que mais me custa é andar na baixa de Lisboa...vejo-me nela sempre na vossa companhia. Pela primeira vez percorro a baixa sem ser para ir ás compras, olho e absorvo o que antes não via.
Saramago disse "se podes ver, olha. Se podes olhar, observa".
Os meus olhos enriquecem agora a alma como nunca.
Apetece-me fintar o tempo, beber visões e encher-me de memórias.

A vida é linda e nem sempre a sabemos ver...

Observem e registem a magia de tudo quanto de bom a vida nos dá sem cobrança.

Ás vezes penso que eles vêm até mim e me mostram um álbum repleto de fotografias da grande viagem que foram fazer...mas então eles dizem "Não Filipa, quem está de viagem és tu. Aproveita, vive, vê. Quando chegar a altura de regressares a casa, vamos cá estar para te receber e partilhar o álbum de beleza que os nossos olhares conseguiram gravar".

Sem comentários: