terça-feira, 29 de abril de 2008

Flashes

Vejo-me a olhar para o relógio ansiosa... são quase 8h.
Estará o Miguel já pronto?
A mala está arrumada desde 4ªf...
Não me posso esquecer dos "taparueres", do blusão novo para lhes mostrar...Olho para a minha mala pela milésima vez... Sim, já guardei os ossos para Yukie e a lata para o Tufas.
Relógio..."mas o tempo não passa?"
19:50 "Já não deve vir ninguém Rute, vamos fazer a caixa".
20h, finalmente!
E pronto, lá vamos nós, o Miguel com os ouvidos cansados de ouvir "despacha-te".
Paramos no Papa24, fast-food, porque tem mesmo de ser rápido.
Vamos pra Lisboa! Que saudades!
Caminho interminável...olho para os kms..."bolas,ainda vamos aqui?" Lembro-me de quando era pequena e martirizava os meus pais com repetidos "ainda falta mt?"
A ponte...que bom sem trânsito, vamos ao contrário.
Saímos da A5, já está quase!
Desço a Av.S.Francisco Xavier combatendo a ânsia de tirar o cinto.
Na minha rua, já vai solto.
Estico o pescoço e espreito para ver se já está alguém à porta.
Saio do carro atropelando os resmungos do Miguel "tem calma"
Abre-se a porta.
O Yukie sai disparado e transforma os seus 45kg displásicos em leveza de coelho, numa festa de reencontro de quem tem um coração cheio de saudades por matar.
Ela assoma à porta. Aquele sorriso...O meu coração consolado.
Dou os ossos ao Yukie,acalma-o e permite-me envolver o coração com o teu beijo "então miquelina?" perguntas-me...
Lá está o pai, cheio de sono, coitadinho, mas aguentando-se para me ver.
O Tufas corre para mim num miar arranhado de excitação e só oiço o seu ronronar, sentindo as unhas cravarem-se-me nos ombros enquanto "amassa", de tão sedento de mim.
E ele olha, enternecido...vejo no seu olhar o som do ronronar humano...
Deitamo-nos eu e ela, 3 horas depois de a empanturrar com as novidades enquanto me diz "amanhã falamos filha"...mas continua a ouvir-me, sempre, mesmo quando os olhos estão vermelhos de cansaço.
Adormeço,então, reconfortada. Tou na minha casinha, o sítio mais seguro do planeta, quarto a quarto com vocês.
Acordo com o sol dentro de mim, desço feliz, com a sensação ingénua de quem tem uma vida perfeita e eterna...
A mesa do peq almoço posta pelo meu pai e os pãezinhos q eu adoro e que foi comprar especialmente para mim.
Sol todo à volta, a casa cheia de vocês e de nós.
Alegria. Cor, mta cor.
Na despedida...a geleira cheia, o coração abarrotado, por esses f.d.s que esticavam e pareciam ter sempre mais dias que os outros. Não faz mal, não tarda mt volto...

De repente...um pequeno instante, uma fracção de nada e... acabou...
...para sempre!

A cozinha está preta. A mesa está posta mas não é para mim...não há luz. Preto e branco.
A casa cheia de um vazio q espreme.
Não mais vos vou ver à porta...não mais vos vou ver chegar...

Um novo acordar..."Amor, ouve um acidente em tua casa... os teus pais estão no hospital... a tua mãe é q está pior"

Caiu o céu?

Onde está o chão?

Chocada,desorientada,nervosa...petrificada por um medo nunca antes sentido...ainda assim, não imagino a dimensão do abismo que se aproxima vertiginosamente dos meus pés

A viagem, longa como nunca...Conto os quilómetros um por um...com medo do tempo....
Não vamos para casa...Destino-S.José.
Tenho dificuldade em segurar o coração no sítio qdo vejo aquele homem de touca e máscara aproximar-se....
"São os filhos?"..sim.."A vossa mãe tem mt poucas hipóteses de sobreviver..."

Como?

Gelo...cravado na espinha, estômago esmurrado...sinto esvair-me de mim...
..O coração sugado dura e cruelmente, de toda a esperança alimentada em 300Km infernais...
Sempre achei até aquele momento que "morte" não era possibilidade...e continuei a achar até...

"Não sabe do q fala, n a conhece...a minha mãe é imortal Dr.!"
"Ainda ontem rimos ao telefone...eu vinha cá amanhã...tenho a mala feita desde ontem... n pode..." Sopro com voz muda de alma tremida...

O mundo ficou plano?

A gravidade desapareceu?

Levem-me de volta para a minha vida!!!!

Alguém me acorde, por favor!!!!

"Só é costume entrar um...mas dadas as circunstancias deixo entrar os dois"....dadas as circunstancias....??!!
Não tenho coragem, desculpa mãe! Não tenho...e não tive....
O mano quer ir..."aquilo que vão sentir é 10 vezes pior que aquilo que vão ver"...
Como é que ver a minha mãe,de repente, pode ser mau...como??

O mano n foi....

"A tua mãe é forte Filipa, vai conseguir." Oiço...e acredito

Temos de ir ao outro hospital ver do pai, Filipa...

Pois....

Tonta, desorientada...destino-Santa Maria
Pelo menos com o pai não é nada de especial...assim parece...
Desinfectam-me e vestem-me com roupas q uso no trabalho, para o poder ver...por quanto tempo durará este dia surreal?...não estou em mim...
É o meu pai, a minha carne, o meu sangue, n lhe posso fazer mal
Beijo-o, abraço-o e falo com ele...mas ele n me responde
"Está em coma induzido, por causa das dores, não a pode ouvir"
Não sabes o q dizes, o coração n precisa de voz, repondo com o olhar..
É o meu monhezinho...
O enfermeiro olha-me...desiste perante o meu olhar desconsolador

Taquicardia...sabes q estou aqui!

Tem queimadura respiratória, prognóstico reservado...sim, pode morrer...

O último sopro de sangue esvai-se-me do corpo...

Como???

Também??!!

NÃO,NÃO!!!!!

Mas o que é isto???

Terá noção aquela sra dos pregos que pregou violenta e impiedosamente no meu coração??

Pouco importa...

O meu irmão pontapeteia a parede. Vomitei a informação médica com o choque q me causou, n tenho filtros para lhe pôr. Os olhares na sala n sabem disfarçar o q a alma n pode dizer, o que o coração não sabe mentir...

De repente....o tempo parou...o espaço descolorou

As 3 semanas a seguir...n sei..não sei mesmo.

"(n sei quem)ligou amor...a tua mãe..." NÃO,NÃO,não digas....

"Bom dia, é para saber do meu pai"...silêncio..."É melhor vir cá..."

Mas...
...quem?...como?...

Funerais...2...com 18 dias de intervalo.

PLURAL???

Não há ninguém que afixe aqui um sinal de proibido?!

Será possível descrever isto...não...o cérebro defensor n deixa a alma discernir...para q o coração aguente...

Na maior parte do tempo...ainda n acredito...
...Que não vou voltar a acordar naquela casa com eles...

...Que aquele tempo acabou.

Lembro-me da minha mãe, agarrada ao rolo fazendo os bolos de natal...os meus anos...a refilar com o pai por todas as prendas "foi o último ano deste disparate Rui"..ele sorria com aquele ar e dizia sim, qdo todos sabíamos q era mentira... Este ano foi verdade...
"Depois é para os netos"...que não vais abraçar...
A casa cheia de gente, o convívio do almoço de domingo, as tardes no quintal...

Não consigo conceber que esses momentos não se repetirão...

Olho para os quadros que ela me bordou...para tudo o que me deram...como? Como posso acreditar?Vejo-os nas tarefas mais simples que fazem parecer os humanos imortais....
Oiço as pessoas dizerem que este tipo de acontecimento muda a perspectiva de vida de forma radical...
..n é verdade...ninguém pode conseguir viver achando q isto pode acontecer...
Ninguém pensa"olha, agora estou a varrer a casa, mas a seguir posso morrer"

Além do que...
...acho q o tempo ainda vai somar mts dias, meses, talvez até anos, até q eu realmente perceba e interiorize o q me aconteceu...

Para já, alterno entre o sonho e o real...

Ás vezes de noite,deitada, fico a imaginar aquela casa vazia, escura de ausência. E doí...flashes de luz da vossa imagem...um frio doloroso, angustiante, arrebatador sobe-me á garganta...são os momentos em que a verdade se revela e me espeta o real na alma e no coração...e doí,mt,crava, rasga, remói...

A mente baralha-me mts vezes...ás vezes nem sei quem choro...mas pior, é que na maioria das vezes não choro nenhum deles...mas sim a violência da mudança que implica a perca dos dois...

Gosto de imaginar que acordo ali...bebo um pequeno almoço de memórias e revitalizo com elas as forças que me fazem seguir em frente.

Orgulhosa da vida que tive e do sangue que eles me deram, sabendo que a cada passo quero viver e honrar o que eles fizeram de mim. Legada de uma vida forte e marcante, que espero longa e feliz, desejando que quando chegar a minha hora, também eu tenha deixado nesta terra milhares de boas recordações que permitam aos outros seguir...sabendo que estarei sempre aqui.

sábado, 26 de abril de 2008

Fingimentos

Olho para o tufas lá fora ao sol, todo estendido, deliciado...Até parece que foi sempre assim, nesta casa onde agora está.
Rei e sr. As cadelas param para ele passar, a gata fica a vê-lo comer esperando a sua vez. Salta para cima da mesa e rouba comida indiferente aos protestos.
Durante um mês o meu coração partia-se de cada vez que entrava naquela casa e te via no escuro da sala fechada, chamando ansioso pela nossa presença. O curto tempo que o coração lá nos permitia estar, era preenchido com ron-rons e "amassadelas" mútuas, por entre as lágrimas q me escorriam pela face "O q vai ser de ti tufinhas?"
Lembro-me qdo te trouxe para casa da Nanda... no carro pensei q n ias aguentar, o meu coração espremia-se numa reza esperançosa de q ia correr tudo bem. E correu. Parece q sempre viveste aqui.
Ainda assim,pergunto-me por vezes, se os miados solitários q lanças à noite de qdo em qdo, são a chamar por eles...pergunto-me o q viste, o q compreendeste...
Ontem fui à avó. O Yukie fez uma festa q...jesus. Lembrei-me também do seu jejum de 1 semana e das outras a comer só á mão. O teu lombo estreitado e lágrimas secas nos teus olhos. De cada vez que chegávamos, tu ali, firme, guardando a casa, à espera...seria de nós...ou de quem nunca mais vai chegar...?
Ontem na avo, onde acho q estás melhor apesar da limitação dos movimentos, passou-me pela cabeça o pensamento q também me varreu olhando agora para o tufas e q me tem ocorrido tantas vezes nos últimos tempos. Penso "tenho de lhes(pais)contar esta" para logo a seguir rematar "olhem, enquanto estiveram mortos, aconteceu isto e isto..."
Parece estúpido, não?...mas a verdade é que tudo isto ainda me parece mentira. Parece-me q foram viajar...Nas partes da casa em que o olhar não se confronta com a tragédia...posso fingir que foram viajar, que foram ao jumbo...posso fingir...
Ontem fui lá a casa, abri os armários e pensei na quantidade de gente q me diz que essa tarefa das roupas é bem mais fácil se for feita de inicio...Olhei para a roupa e pensei "porque vou tirar isto daqui"...voltarão eles?...claro que não...mas n consigo é alcançar o vazio daqueles armários. Já basta o vazio daquela casa sem eles.
Vejo-os em cada objecto, em cada canto,aquela casa grita Rui e Isabel por todos os poros.
Não tolero ainda que a esvaziem de recordações. Sinto-me roubada...
Será isto negação, virar costas à realidade...não sei, só sei que me faz bem neste momento e preciso de todas as coisas q me dêem essa sensação.
Talvez um dia...talvez...Para já, sinto que já me esvaziaram o quanto baste, para agora deitar para o lixo, mais um pedaço de mim.

Onde Estás Tu Tempo?

(23 ABRIL 2008)

2 meses...

Onde estás tu tempo, que me parece que aconteceste ontem, no último olhar, no último abraço
Onde estás tu tempo, que lhe oiço a voz como se ao ouvido me falasse
Onde estás tu tempo, que lhe vejo o sorriso como se à minha frente brilhasse
Onde estás tu tempo, que lhe sinto o abraço como se o seu perfume cheirasse
Onde estás tu tempo, entre os breves momentos em q te revelas ao me empurrares com a verdade
Onde estás tu tempo, que a memória me parece o real
Onde estás tu tempo que dizem apaziguador, que só sinto somar saudade sem subtrair dor
Onde estás tu tempo que trarás a paz que necessito
Porque para já, raramente acredito,
Que aquele pedaço que quero de ti... já não voltará para mim

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Há agradecimentos para os quais a palavra "obrigada" parece pouco...

É inevitável, dou por mim, frequentemente, a recuar no tempo 2 meses e a revivê-los, ainda que de outra forma.
Preciso arrumar emoções que, de tão intensamente vividas, não me permitiram percebê-las. Nestas viagens encontro-me sempre com os abraços, as palavras, as manifestações de carinho que nunca me abandonaram.

É bom partilhar lágrimas, ajuda-as a escorrer pela face para se arrumarem ao fundo do rosto e daí se precipitarem para o vazio entre momentos, q mais não o são que isso mesmo, momentos, que passam pelo tempo para o permitir continuar.

Sempre, sempre, vocês lá! Desde o primeiro momento...lado a lado, física e emocionalmente, sempre prontos para mim.
Estou certa da dor que sentem ao verem partir estes amigos, confidentes...sonhos e pensamentos, preocupações, projectos partilhados pelos vossos frutos unidos..conversas e emoções abruptamente interrompidas.

Nunca vos vi fraquejar!
...vezes sem conta olhava para os teus olhos,Nanda, na tentativa de os ler. Ainda que num vislumbre ténue adivinhasse a tua dor, o teu cansaço, a tua preocupação e angústia, nada disso me deixavas ver.
Bebia de ti a segurança, a esperança, a força para permitir as pernas continuarem erguidas e seguirem passo a passo, firmes. E quando a força me faltava, ainda q também tu a sentisses escassear, nunca percebi.
Passavas-me a mão pela cabeça e reconfortavas o meu coração de uma energia renovada, ao dizeres-me"vai tudo correr bem".
Sabendo sempre a eminência do abismo q se adivinhava sob os meus pés, nunca me deixaste cair, nunca me deixaste desistir...

No pico do desespero e da dor, foram colo, mão, ombro, tábua de salvação. Foram luz no escuro, ar no sufoco, presença na solidão.

Gaivota de asa partida, atingida por um tiro cruel do destino permitiram-me continuar a voar.
Quanto mais alto os meus pais voavam e a tristeza aumentava a distância que deles me separava, mais me gritavam "voa Filipa, voa, não importa o q o bando diz. Se queres estar junto de quem amas, n te parece q já lá estás?"

Curativos de alma dorida, fontes de quente amor.

Se a palavra sogro e sogra acarretam na sua definição um sentido pejorativo, então não tenho sogros, tenho dois pais extra.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Feliz Aniversário Mãe



Do fundo do sono me chamaram
Era a voz serena, a voz querida
Disse-me "virás cmg conhecer a vida?"
Sorri e segui-a


Confusa, cansada, atordoada
Plantaram-me no teu colo acolhedor
Depositada, fielmente à tua guarda
Pela 1ª vez soube o q era o amor

Chega-me à alma o teu cheiro
O toque da tua pele, curandeiro
Ouço a tua voz chamar-me, amistosa
Buscando o meu olhar, ansiosa

Olhei então para ti
E foi aí que aconteceu
Os nossos olhares cruzam-se
E vimos q a verdade da vida venceu

Perdidas num abraço imortal
Deixámos o olhar beber
A magia entre mãe e filha
Numa união q, sabiamos,
jamais se iria perder

Envolves-me nesse abraço divino
Chega-me ao coração uma carícia
Deixo-me proteger nesse ninho
E sentir-me especial obra de perícia

Soube nesse momento em que nasci
O orgulho de ser tua filha e estar viva
A verdade que nunca perdi
Porque não necessitas de forma,minha diva

À noite no escuro da tristeza
Sem abrir os olhos vejo a clarão
Sinto a tua mão pegar a minha
E num suspiro, falares-me ao coração

Em paz sorrio e adormeço
Embalada por esse amor
Olho-te de frente pq de cór conheço
A magia desse olhar consiliador

Quando nasci e quando partiste
Gritou a verdade uterina
Não é preciso olhar nem forma
Para ver e sentir esta união divina.

Num sussurro sustenido
Dizes-me "estarei sempre aqui"
Eu dou ao teu dia um sentido
Mãmã, o meu sorriso hoje é para ti

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Amigos

Hoje falei com um "pai" e uma "mãe" muito especiais.
Dois anjos guardiões de carne e osso,legados, estou certa, pelos que agora têm asas.
Não acordei nos meus melhores dias e fizeram-me rir e aqueceram-me o coração
Se é verdade que as coisas simples são as que mais fazem doer, verdade também é que, é das coisas mais simples que emerge a grandiosidade do amor reconfortantemente apaziguador.
Amigos dos meus pais, meus amigos são.
Obrigada, hoje especialmente para vocês...
... Ana e Beto

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mãe é Mãe


Havia uma coisa que a minha mãe sempre tentou combater em mim. A minha tendência para sofrer por antecipação. Na realidade, ela tinha razão...Se bem que é uma das coisas que sinto mudar em mim, a verdade é q n consigo deixar de pensar na próxima 6f...o dia do aniversário dela.
Não deixo de pensar que este dia devia ser diferente do que vai ser, devia ser igual a tantos outros que já o foram..e n se vão repetir. Nada vai ser igual, nunca mais. E isso assusta, mt. Dói, ainda mais.
Há dores q n sei escrever..e por isso, nem tento.
Hoje deixo o texto que escrevi na dor da percepção da tua ausência.

Mais não consigo.




Hoje acordei novamente com a repetição matinal da verdade que tem perturbado o meu acordar dia após dia nas últimas 3 semanas.
Normalmente é essa a pior altura. A vida lembra-me, naquele momento preciso de lusco-fusco da alma que não sabe bem o q é, a verdade da minha nova realidade, como se fosse a 1ª vez, dia após dia, a sensação de vazio repetida.
O levantar relança o sangue que dá peq almoço à energia, renovada de memórias apetecidas.
Hoje foi diferente...
Uma sensação desagradável teima em permanecer e não me deixa ofuscá-la.
Hoje percebi, dura e impiedosamente, o significado da frase "Mãe é Mãe".
Penso no que terás sentido no preciso momento em que cortaram o cordão umbilical que a ti me unia. Um momento de alegria em que te separam fisicamente do teu fruto apetecido e percebes, de certeza, que nada nem ninguém pode quebrar essa ligação.
Não me lembro desse dia...só sei o que senti, hoje, pela 1ª vez.
O destino, sem assépsia, nem hemostase, sem um colo onde me entregar, enfiou a mão no meu ser e esventrou-me. Sentia arrancar-me o cordão físico q os unia.
Apetece-me gritar para que alguém me devolva ao teu útero, me pouse no teu colo e me deixe ai ficar. Quero voltar a olhar-te e a perder-me nessa imensidão de certezas entre mãe e filha. Quero as mãos que curam, a voz q canta ao coração, o sorriso divino que tira qualquer dor.
Dói, doí tanto que a alma chora sangue. Sufoca, aperta, fere.
É, na verdade indescritível.
Luto contra esta sensação no meio dos soluços secos e silenciosos que se apoderaram de mim. Nem as lágrimas se mostram capazes de reflectir esta dor e, envergonhadas, recusam-se a assumir um papel do qual sabem n estar á altura.
Procuro desesperada o ar q n tenho, a força que n sinto, abro a janela e espero o que não vai chegar. Não encontro com o olhar aquilo q a alma busca. O vento empurra para dentro de mim a verdade desse cordão que jamais se cortará. Sei-o, mamã. Sinto-o de cada vez que acordo e me sinto tua filha.
Sei que serás sempre a minha mãe mas...hoje pela 1ª vez senti-me órfã...
E isso n sei dizer
(03/04/20008)

domingo, 13 de abril de 2008

Nem Todos os Dias são Dias de Chorar




Hoje faz um mês que o meu pai partiu.

Fui à pouco à praia lançar flores ao mar.

Não rumo ao cemitério pois ele não está lá. Está em todo o lado e em todas as coisa que me fazem sentir viva.
Como homenagem e sem esforço, não me apeteceu chorar. Dei mesmo por mim a sorrir.

Escolho sempre o mar..busco na linha do horizonte a presença deles, pois é o mais longe que o meu olhar alcança, na esperança de aí os ver. E vejo-os. No azul, no manto de espuma encavalitado nas ondas...

Deitei-me e deixei-me ficar a ouvir o embalar encantador das ondas a desfazerem-se na areia, naquela melodia divina e calmante, aquele poder sereno que só o mar sabe ter.

Fiquei assim, não sei quanto tempo, a ouvi-Lo (ao meu pai) agradecer-me em cada desterrar das ondas.

A envolver-me com o vento num abraço.

Passa um miúdo e apanha uma das flores (a giribéria amarela) que retornou timidamente à praia.

Apeteceu-me correr para ele e gritar-lhe que a deixasse. Não o fiz. Ele largou-a. Espetou-a na areia e ela ali ficou.

Fortemente erguida, resistindo ás ondas e ao vento. Dançava para lá e pra cá. Fiquei a olhá-la assim, muito tempo.

Passou uma gaivota em torno dela e desviei o olhar, seguindo-a no seu planar magnifico de gaivota pelo azul celeste. Ouvi a memoria dizer "voa, Fernão Capelo, voa, o mais alto que quiseres, não importa o que o bando diz" e apeteceu-me pedir-lhe pra me levar por um bocadinho bem acima, aí onde tu estás.

Em vez disso olhei novamente para a flor. Lá estava, firme.

Um pensamento louco varreu-me então o pensamento. Pensei que eras tu. Senti que por mais que o mar se entenda de ausência para o longe do horizonte, há sempre uma presença viva na nossa praia. Resistindo ás intempéries do tempo e do espaço. Sempre ali. Para nós.

Olhei á volta , como que acordando de uma transe. E vi, toda a vida, que continua.

É altura de ir. Lá está a flor, imponente. Levanto-me e vou buscá-la. Esta é para mim. Obrigada pai.

Um último olhar sorrido para o mar, de frente, não olho para trás. Despeço-me do mar, até á próxima, cheiro a flor (igual a tantas que me ofereceste) e sinto a certeza que jamais te direi Adeus.

Tempo

Hoje fui ler, pela milésima vez o blog do Bruno...
Leio e releio, vezes sem conta a última msg que lá escreveste...porque ela assenta tão bem no q sinto!

Sempre te reconheci esse dom da escrita, de em textos curtos, sem floreados, pintares uma beleza e objectividade de sentimentos, que tudo dizem.

Olhei para a data e vi que foi escrita na véspera do teu pai...(desculpa, custa-me usar a palavra). Lembrei-me de quando me disseste que apesar de toda a conjectura, nada nos prepara para aquele momento. Nada. Pois não...
Na verdade, acho que nunca acreditamos, apesar de termos certeza.

Reparo que usas, na véspera e perante a verdade que descreves apresentar-se diante dos teus olhos, a palavra "provavelmente".
Porque será que,apesar de sabermos q eles devem ir antes de nós, achamos sempre q eles são imortais?!
Será que o sinto por a vida não nos ter dado o tempo que seria esperado...ou será que, seja o tempo aquele q for, será sempre curto demais?

Perante todas as certezas, n conseguimos abandonar o "provavelmente"?
E, ainda depois da verdade acontecida...não acreditamos...por muito tempo...

Lembro-me da msg q te enviei...e choro. Por ti, por mim...por eles

Lembro-me do poema do bruno nogueira...e penso nas rugas que não vamos ver...isso sim, rasga!

Tempo...
Tempo que dizem ir ajudar...
Para já não tem ajudado...

...É demasiado curto para acreditar que já não existe e demasiado longo para a saudade que teima em aumentar.

sábado, 12 de abril de 2008

Há dias assim

Há dias em que a alma dói
Dói tanto que não pode falar

Há dias em que a alma dói.
Dói tanto que não pode ouvir
senão a voz da saudade ecoar no vazio

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Começar de Novo

E eis que, mais uma vez, o coração me leva a fazer uma coisa que a boca disse que não faria.
Blog?? Isso não é mais que um diário que deixa de o ser porque é público! ... (antes do instante)

Afinal, e porque a vida mudou a retina do meu olhar sobre várias formas que antes não via, descobri, por um lado, que as emoções que a cada um dizem respeito não podem ser, de forma algum, violadas, roubadas ou expostas, por outro lado, emoções e pensamentos há que podem e devem ser partilhados ...
Urge em mim a necessidade de registar o evoluir deste momento da minha vida
...(depois do instante)

Acho que não preciso definir "o instante"....

Até aqui não me sentia preparada para falar...porque o Medo, não me deixava sequer perceber o que sentia. Guardo para mim os textos indefinidos, vindos em bruto do coração (frases soltas, desencontradas, sem sucessão organizada)
Só agora consigo alinhavar (mais ou menos) pensamentos e emoções. Continuo a achar que não há português ou retórica que traduzam o que sinto, mas há uma calma dorida que se instalou
em mim e que me permite fazer um discurso coerente.

A fase pior só agora começou. Até aqui a "amalgama" desordenada de ideias e sentimentos comandados pelo choque dos acontecimentos imprevisíveis em catadupa, sem que pudesse sequer respirar , impediam-me de perceber o que me estava a acontecer.

Agora...agora que as ideias se definem e os sentimentos se organizam, a retina capta e grava directamente no coração a imagem dura e crua da vida que agora se me apresenta diante do ser.

Digamos que estou mais consciente do que me aconteceu....e por isso...mais triste também.

Começo a sentir o desamparo, a ausência de paredes, a inexistência do chão, o vazio da ausência dos protectores que tudo resolvem, que de tudo nos protegem, que têm sempre um ombro para absorver as nossas lágrimas...
É como perder o norte da bússola, ficar perdida no mar quando o porto de abrigo desapareceu, ter de seguir rota sem o capitão, sem quem saiba ler o mapa, cair num poço sem fundo.
E ao mesmo tempo, lidar com a perca individual de cada um (o que só agora começou a acontecer..)

Não preciso dizer que, sob várias perspectivas, a minha vida mudou. Não de forma radical como muita gente poderá pensar. Continuo a achar impossível que alguém consiga viver (pelo menos com sanidade) se estiver sempre a pensar que uma coisa destas pode acontecer.

No entanto, há coisas pequenas que tendemos a sobrevalorizar e que se tornam insignificantes ao ponto de deixarem de ter importância. Outras há, que temos tendência a desvalorizar e que se tornam gigantes em importância.
Sinto a urgência do tempo, mas no que respeita a não deixar de dizer, sobretudo o que é bom de ouvir, ás pessoas que amamos. Independentemente das vezes que o tenhamos feito, quando elas já não podem ouvir, foi sempre pouco.

Em mails trocados com o Dias e a Mariana, começaram a surgir desabafos que acabei por alcunhar espontaneamente de "Pedaços de Mim". O título pareceu-me, entretanto, totalmente adequado para o que aqui deposito.
Partilho por isso com quem me queira ler, a força que sinto, a presença interior que não desaparece, o cordão umbilical imortal que o tempo e o espaço não podem cortar.
Partilho com quem me queira ler a ajuda que posso dar e receber.
Partilho com quem me queira ler, a promessa que voltarei a ser muito feliz.

Partilho com quem me queira ler, a certeza de que o dia em que eles se ausentam da nossa vista, não será a última vez que os vemos.