quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sensação Consciente

Ontem, no escuro da noite, na leveza dos lençóis, um arrepio doloroso varreu-me o corpo dilacerando-me. Num suspiro, um sumiço da alma. O corpo começou a tremer, a cabeça a latejar como se farpas a ferissem, o terror a subir à boca, na ânsia de sair.

Foi o primeiro momento de sensação consciente, da verdade percebida e interiorizada...vocês já não estão cá, e não voltarão a estar.

Ainda que por um breve instante, a verdade aconteceu. E doeu. Física e emocionalmente doeu, doeu muito.

O medo arrebatou-me...porque esta sensação não quero sentir e não consigo controlar. A plena noção que se ela acontecesse sempre, não me conseguiria sequer levantar.
Medo do que não quero ser, medo de cair, medo de querer desistir. Medo do que ainda vem, medo do que já não volta.

Lembrei-me de vocês na forma mais simples possível, sentados, calados, alvos do meu olhar...simplesmente um olhar...o que eu não dava só para poder olhar para vocês. Foi de tal forma arrasador que tive de afastar o pensamento de mim...era insuportável.

Tenho saudades, tantas, tantas, que não a posso falar.

Ás vezes apetece-me gritar...outras o silêncio anula toda e qualquer manifestação do meu ser.

Na verdade, tudo isto ainda custa a acreditar...ou talvez eu prefira continuar a sonhar, vivendo nesta realidade paralela, em que intimamente a minha verdade é presença, a ausência da forma é viajante e eu espero, sempre, que um dia acordo e o que sonho é verdade.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A vida acontece


Este período da minha vida, tem sido farto em sentimentos até aqui desconhecidos para mim.

Além dos sentimentos dolorosos óbvios, descobri, por exemplo, a solidariedade emocional, na vertente oposta - a dirigida a mim. É um sentimento bom, mto bom, como tantos os que tenho sentido neste momento, em que se pode pensar que tudo é mau.

Hoje, mais um sentimento a acrescentar à bagagem do meu sentir....

NASCEU O MEU SOBRINHO, 3º filho do irmão do Miguel.

Mais um sentimento que não sei dizer ou escrever.

Apetece-me chorar. Tenho uma comoção enorme que transborda de mim. Choro de felicidade, de tristeza e de saudade.
Porque me lembrei deles e senti a sua falta. Porque eles acompanharam a gravidez e não o vêem nascer. Porque penso nos netos que eles queriam, mas que não vão poder abraçar. Porque estou feliz por esta que é também a minha família. Porque é mais um ser que já amo. Porque me apetece perguntar-lhe se vem do mesmo sítio para onde eles foram...

A vida continua, fiel ao tempo, indiferente aos acontecimentos naturais de si própria, regenera-se, transforma-se. Uns terminam, outros começam.

Só sei por agora que esta criança já me é especial de uma forma nunca sentida.

A vida acontece...

Mais uma luz no meu caminho, iluminando-me o sentido que a vida tem. Continuar sempre.

És, inevitavelmente, para mim, um marco de continuação, de esperança. Num momento em que todos sentimos a força da perca, vens provar que nada se compara à força do amor, à força do começar.

Eu cá estarei para te mostrar como a vida é bela, para agarrar na tua mãozinha pequenina e te mostrar o quanto o pequeno pode ser enorme.

domingo, 18 de maio de 2008

Avozinhos

Hoje é um daqueles dias em o sono teima em demorar e o coração chama-me a escrever.

Hoje foi um dia maravilhoso.

Porque vos adoro. Porque me senti amada. Porque me fazem sentir família. Porque deixaram a família que construo fazer parte de vocês.Porque pude preencher um pouco a ausência, a falta que eles vos fazem. Porque pude fingir por um bocadinho que nada mudou.
Porque senti que por mais que a vida nos dê nuvens, há sempre um sol a espreitar, que por cima dos espinhos, há uma rosa.

Não consigo explicar este tipo de sentimentos. Nasci gostando de vocês e a sentir-me amada.

Adoro a minha Mariana. Fez tudo para me agradar. Não é de agora, sempre foi assim. Mas hoje senti a sua preocupação, a sua tentativa de preencher da forma que podia, o meu vazio.

E o meu Dias, aquecendo-me de memórias tão boas, estendendo-me a mão para me ajudar a subir mais um degrau.

Declarando-se a cada olhar, fazendo do momento, mais um agradável acontecimento para somar a tantos outros que trago na bagagem do acontecer.

Adoro ouvir-vos falar deles. Adoro sentir o amor que lhes tinham e têm. Orgulho-me deles. Orgulho-me de vocês e agradeço-vos por fazerem parte de mim.

Não é o espaço nem o tempo que fazem o momento, são as pessoas. Tempos imensamente felizes, memórias de um pedaço de vida que a mudança do espaço e o correr do tempo não podem apagar.

Hoje estão mais leves...suguei-vos cada pedacinho de essência que o meu coração pode albergar.

Hoje os lençóis são ninho, porque me deito com a alma consolada e um coração reconfortado de um amor cheio de tudo!

Culpas

Arrumando mais uns quantos papeis, deparei-me com uma série de apontamentos da minha mãe, lembrando pedidos de informação a realizar, ou anotando informações já obtidas de diversos assuntos a meu respeito. Banalidades que eu própria poderia ter feito, mas que ela, mesmo sem eu pedir, fazia por mim.

Sempre, sempre, Mãe, Amiga. Preocupada, atenta. Sempre um passo à frente das minhas dúvidas, com respostas prontas para as perguntas que eu ainda nem tinha feito.

Bateu-me novamente a única culpa que me atormenta em todo este acontecimento.

Não fui capaz mãe. Não fui. E agora, mesmo magicando "milhentas" formas de minimizar o impacto que aquele momento certamente teria para o resto dos meus dias, ainda assim, se pudesse voltar atrás...provavelmente continuaria a não ser capaz.

Nunca na tua vida me deixaste de dar a mão, por mais difícil que fosse o instante. Nunca.

E eu...

No ultimo momento da tua extraordinária vida...abandonei-te. Quando tu mais precisaste de mim...Não fui capaz, mãe, desculpa.

Desculpo-me com a certeza de que se tivesses consciente, nunca permitirias que eu e o Hugo entrássemos e te víssemos como...apenas posso imaginar e não o faço...terás ficado. A certeza de que gostarias que ficássemos com a imagem que temos de ti. Mas ainda assim me pergunto, não terás sentido a nossa falta? Não terás querido ouvir-nos, sentir-nos uma última vez antes de partires? E tenho uma certeza...se fosse eu ou o Hugo ali...tu terias entrado.

Provavelmente na dimensão do teu amor pensaste, como sempre, em nós. E sabes que foi o melhor....ainda assim...é um conflito que ainda não consegui resolver.

Sabes que contigo foi mais difícil...contrariamente ao que sempre julguei. Foi tudo muito rápido. Não me deu tempo de aperceber, não controlei a situação, vivia de tal forma chocada que não a interiorizei totalmente. Custa-me mais acreditar que tu foste do que o pai. Tu és a força, a inabalável, aquela que sorri quando chora por dentro, aquela que sem forças levanta qualquer peso. Tu és a imortal.

És Mãe. A minha primeira casa foi o teu ventre, o teu leite a minha primeira subsistência, os teus olhos o meu exame diagnostico, as tuas mãos o meu curador,o teu sorriso, a minha fonte de energia, o teu ser o meu orgulho.

Custa não poder ter-me despedido de ti...e de não saber ainda se esse poder...podia mesmo ou não.

Penso no instante antes de te terem adormecido...e invade-me a certeza de que nunca pensaste que irias morrer. Penso em ti ali deitada, sozinha, lutando de forma natural com todas as forças, para regressares rápido à vida que tanto amavas...para junto do marido que sempre amaste e completaste...para perto dos filhos a quem incondicionalmente dedicaste a maior parte do teu ser e, certamente o teu ultimo pensamento, exalando de ti amor no último suspiro da tua vida.

É incrível a forma como enches e influencias a vida de todos, mesmo daí onde agora estás.

Hoje sonhei contigo...continuas a visitar-me e sei que o farás até que eu e todos os que amam consigamos achar a paz de que necessitamos para seguir em frente com um sorriso.

À medida que o corarão vai de encontro aos dedos que escrevem estas palavras, sinto-te colocar o manto de conforto nos meus ombros. Olho para o fundo da sala e vejo-te lá a dizeres-me "Deixa-te de parvoíces. Não é o instante que mede o amor, muito menos a coragem. Num momento em que também tu precisavas de mim, lembraste tudo o que te disse acerca da morte e da importância da última imagem. No choque do imprevisto que nunca pensaste sentir na pele, conseguiste lembrar e sentir, sabias que eu não gostaria que me visses assim e querendo entrar, por medo, por amor e não por cobardia, cumpriste o que sabias intrinsecamente ser a minha vontade, porque és minha filha, conheces-me, amas-me e respeitas-me. No teu maior desespero, não foste egoísta. Isso é amor filha"

Ou é o que prefiro pensar para me sentir melhor comigo...

Daqui, onde estou mãe, esforço-me para que tu e o pai vejam o que tento ser, esforço-me por vos orgulhar, por poderem dizer que fizeram um bom trabalho.

Sempre me disseste que o teu maior erro foi nunca nos teres preparado para a morte. Espero que, aí do alto, ou aqui ao lado, onde te sinto tantas vezes, possas agora dizer:

"Afinal estava enganada"

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Pensamento do Dia

"Não chores por as coisas terem terminado,
Sorri por elas terem acontecido"
(L.E. Boudakian)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Olhares

O tempo passa e a vida acontece.

Não para, não abranda, alheia ao nosso ritmo de acontecer.

Fez 3ªfeira 2 meses que o meu pai rumou a outro plano...
Ás vezes o tempo atropela-me, salto de uma data em outra como se elas se sucedessem sem intervalo. Primeiro a Mãe fez anos, depois assinalaram-se 2 meses da sua partida, logo de seguida o dia da mãe e agora, 2 meses decorridos da partida do meu pai.

A saudade começa a ser pesada, agora que o tempo me permite olhar para tudo de outra maneira. Olho para o espaço de outra forma.

Quando percorro as ruas de Lisboa, algo que julgo nunca ter feito tanto como agora, observo...As pessoas deixaram de passar por mim sem que eu as visse... É estranho...vejo a sua fragilidade, como se fossem de cristal e imagino as suas vivências.
Por outro lado, as ruas parecem-me vazias sem vocês.Parece que a cidade mudou...Esta sensação estranha de espaço vazio. Este pensamento por saber que vocês não pisam o mesmo solo que eu, a tristeza por saber o quanto gostavam de viver, a sensação de receio ao ver que o tempo não para e a vida continua, num espaço que parece igual, alheios à vossa ausência.

Nunca quis ficar a morar em Lisboa, não é segredo para ninguém, mas talvez poucos saibam como amo esta cidade. Passei a aprecia-la desde que cá deixei de morar. Acho-a linda, mágica, carismática.
Na 25 de Abril, entendo o olhar por essa visão magnifica e penso neles, sobretudo quando o olhar alcança Belém.

E fico a pensar que vocês não mais percorrem estes caminhos.

Que caminhos percorrem vocês agora?

Os meus pais adoravam viver e ver.

O meu pai disse "não te esqueças que quando deixarmos este mundo, apenas levamos aquilo que vimos. É isso que deves ter em conta quando pensares no verbo ser e no verbo ter."
Consola-me e orgulha-me saber que ele tinha um olhar cheio de tudo, que a sua bagagem foi carregada de beleza e vida.

Uma das coisas que mais me custa é andar na baixa de Lisboa...vejo-me nela sempre na vossa companhia. Pela primeira vez percorro a baixa sem ser para ir ás compras, olho e absorvo o que antes não via.
Saramago disse "se podes ver, olha. Se podes olhar, observa".
Os meus olhos enriquecem agora a alma como nunca.
Apetece-me fintar o tempo, beber visões e encher-me de memórias.

A vida é linda e nem sempre a sabemos ver...

Observem e registem a magia de tudo quanto de bom a vida nos dá sem cobrança.

Ás vezes penso que eles vêm até mim e me mostram um álbum repleto de fotografias da grande viagem que foram fazer...mas então eles dizem "Não Filipa, quem está de viagem és tu. Aproveita, vive, vê. Quando chegar a altura de regressares a casa, vamos cá estar para te receber e partilhar o álbum de beleza que os nossos olhares conseguiram gravar".

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Mudanças

Normalmente tendo a desabafar aqui os momentos menos bons. São esses que necessito de libertar de mim,embora sinta que são necessários de viver.

Acredito que a única forma de conseguir seguir em frente é vivenciar na altura certa estes sentimentos dolorosos. Como numa queda livre, é necessário cair no chão, para nos erguermos e voltarmos a subir...

Não creio que tenha batido ainda no fundo...mas de tempos a tempos sinto a dor do impacto da queda e logo depois a dor de escalar a montanha da vida. Um pouquinho para cima, caio, volto a subir.

Só sei que a queda me parece agora menos vertiginosa, embora haja momentos, menos frequentes mas mais incisivos, em que me sinto cair descontrolada sem ver o fundo. Mas não estou colada ao chão.

Sinto um deles quando olho para cima, estendendo-me a mão, e o outro em baixo empurrando-me para cima...

São raras as vezes que me sinto sozinha, sinto que eles estão comigo, nas memórias, nos ensinamentos, no amor e numa forma que não sei justificar ou provar, mas que sinto profundamente.

Esta dor, é como um vazio que enche.

É permanente, não dá folga. Não há um único minuto do meu dia em que não saiba intimamente que eles partiram. No entanto, sinto-os tão presentes que me apetece orgulhá-los, viver como eles viveram e de acordo com aquilo que me ensinaram e fizeram de mim.


Quando me perguntam de que forma este acontecimento mudou a minha vida, não sei responder. Repito que aquela máxima de que passamos a viver a vida ao segundo não cola. Na realidade, acho que acontece precisamente o contrário. Estou prudente como nunca fui. Tenho medo da morte como nunca tive. Estou consciente da minha própria mortalidade, como nunca estive.

A máxima do só acontece aos outros deixou de existir na minha vida. É estranho e assustador passar a fazer parte dos "outros".

Como me disse o Dias"já sabia que era mortal, não sabia é que era tanto".

Uma das coisas que mais me custa combater é o medo. Medo de perder mais pessoas que amo, medo de morrer...porque agora SEI que a morte pode estar à distancia de "um dia como outro qualquer"...

Medo de não ter tempo de viver como eles viveram, marcar este mundo como eles marcaram, legar nos meus filhos, nos meus amigos, na minha família, o orgulho que eles legaram em mim.

É tão bom este sentimento de amor. Sou apaixonada pelos meus pais, sempre serei e isso é a maior herança que eles me deixaram, a presença que não precisa de forma física, o Amor, naquilo que ele é e não se diz ou escreve, sente-se.

Se há forma de ter mudado a minha maneira de ver é essa, é a vontade de ser melhor como pessoa, tocar tudo e todos, viver, fazer com que a passagem aqui faça sentido.

A saudade é avassaladora? É! Mas não conheço outra forma de estar na vida que não seja lutar e continuar. Acho que há só duas formas de encarar os obstáculos da vida, a revolta e inacção e o levantar a cabeça e continuar. É sempre mais fácil cair que levantar, desistir que lutar.

Opto pela segunda,por difícil que ela seja.

Só conheço uma forma de olhar para a vida - para a frente!

Se há 3 meses me tivessem dito que iria ficar sem um deles...diria imediatamente "não serei capaz"...hoje, estou sem os dois e responderei a quem me perguntar que não há nada, nada que a vida nos apresente que não sejamos capazes de ultrapassar. Temos forças que desconhecemos. Hoje não aceito ouvir "não serei capaz".


Hoje leio aquele tipo de mail que temos tendência a clicar compulsivamente para chegar ao fim, de outra forma. É verdade sim, que necessitamos de muito sofrimento para dar o real valor das pequenas coisas. Hoje alegro-me com coisas tão simples que não sabia terem tanta alegria, hoje declino gentilmente sentimentos que mais não servem que para encher alma e coração de inutilidades. Para quê perder tempo com sentimentos mesquinhos e preocupações sem importância?

Apetece-me dizer aos outros que vivam, que aproveitem o que a vida tem de melhor. Não pensem que amanhã podem não cá estar, mas amem e alegrem-se cada dia, um por um, não deixem de dar o abraço e o beijo que querem. Há amanhãs q não vão acontecer. Mas pra vivermos o dia na sua plenitude, não precisamos nem podemos albergar esse pensamento de medo, de mortalidade.

Aqui há uns tempos, estava em casa da Marta no Algarve. Ela recebeu um telefonema da mãe e ficou comprometida, porque eu estava presente. Não foi o tipo de telefonema carinhoso com muitos bjs q eu estava habituada a ver.

Então lembrei-me...quando vim a Lisboa no velório do pai do Bruno, apeteceu-me abraçar o meu pai como se não houvesse amanhã. Mas, por respeito ao Bruno não o fiz. Uma sensação desagradável permaneceu em mim e no dia a seguir ponderei ir ter com ele ao trabalho antes de ir para o Algarve, para o abraçar...não o fiz...e não tive outra oportunidade de o fazer.

Lembro-me da sensação e pergunto-me se intimamente sabia que aquele iria ser o último abraço mútuo.

Lembro-me de olhar para a minha mãe e me apetecer dizer-lhe "Não morram"...mas não disse...

Hoje sei que o Bruno não se iria importar com aquele abraço, como eu n me importaria que a Marta enchesse a mãe de beijos.

Abracem-nos, beijem-nos,digam-lhes...olhem-nos...pois a sensação de querer e não poder, essa sim, dói, incomoda.

Pode parecer loucura....mas sinto-me afortunada. Tive os pais mais maravilhosos que posso imaginar, que cumpriram a sua missão educativa na perfeição e viveram como poucos sabem viver, ainda que por pouco tempo.
Deixaram-me força, princípios, a possibilidade de me fazer pessoa, de estar nesta vida a viver, sem simplesmente acontecer. Deixaram-me um baú de memórias que jamais irei perder, um amor imenso que os mantém próximos e vivos.
Ainda que pudesse escolher não sentir a dor que agora sinto, se a trocasse pelos 27 anos que a vida me deu ao seu lado , não trocaria.
De onde quer que me estejam a ver, dê-me o rio da vida as pedras que der, jamais me verão à margem do viver.
O Humberto disse um dia "há dois tipos de pessoas nesta vida, os lobos e os cordeiros".
Aqueles que me julgam cordeiro, ainda me vão ouvir uivar muito alto!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

PORQUÊ? PORQUÊ? PORQUÊ???

Mas quando é que isto acaba?
Já não basta ter ficado sem os dois ao mesmo tempo, tê-los perdido tão prematuramente e de forma tão violenta...e agora nem um luto "normal" posso fazer?!
Só queria ter paz e deixá-los descansar em paz...
Quando as coisa pareciam estar a acalmar, a vida a começar a seguir lentamente o seu rumo...mais uma facada??!!!
Sempre tentei combater a tendência para reproduzir aquele instante...afastar de mim aquele momento e a forma como terá ocorrido. Não, não quero imaginar o que aconteceu, o que eles pensaram ou sentiram, é demasiado cruel...
Agora, não só me vejo obrigada a reviver tudo isto, como ainda tenho de colaborar na descoberta de respostas quando até das perguntas sempre fugi. Sempre evitei sequer perguntar e agora...tenho de responder. Será que não percebem que não consigo racionalizar aquele momento, que quando tento imaginar o que aconteceu apenas me vem à cabeça o seu sofrimento, angustia, aflição?!
Não sei, não sei. Felizmente não vi e o destino não mais me deixou falar com eles...
Fujo a 7 pés daquele momento para me conseguir manter de pé...
5 horas! 5 horas naquela casa a ouvi-los fazer perguntas, a ouvi-los remexer móveis como se aquilo fosse um armazém. A sentir-me violada nos sentimentos, nas memórias, no íntimo, no pessoal, naquilo que é nosso. A vê-los espalhar pelo chão aquilo que tanto me esforcei para tirar do alcance da vista...Não percebem a dor de um filho em ver os objectos mais simples dos pais falecidos?! Ainda por cima espalhados como lixo...e pior...queimados?
E ainda queriam que não tivesse-mos mexido em nada!!?? Pois...está bem...
Não percebem que só de ver a roupa, os óculos, difícil é afastar a ideia de como não terá ficado ela??!! E ainda perguntam???? Toma a fotografia, isto é a minha mãe, será sempre isto para mim, mais nada!!
Ás vezes penso que não vou aguentar...apetece-me desistir...
Mas quando é que isto acaba??
Ás vezes penso que vou ouvir "prova superada"....mas não, lá vem mais uma e outra.
Nunca antes me perguntei "porquê". Não me julgo melhor que ninguém para achar que isto devesse ter acontecido a outra família que não a minha. Mas agora...apetece-me gritar até ficar rouca "porquê" "porquê" "porquê", porque é que isto não pára???
Deixem-me chorá-los, recordá-los como eram, lindos...não quero mais ouvir como ela ficou, como ele morreu, autópsia isto, bombeiros aquilo...
Não quero, não posso!
É desumano!
Ontem chorei de noite como há muito não acontecia, tive pesadelos, acordei com a sensação desagradável que há muito não sentia e a qual não me faz falta.
Bolas...era preciso esperar tanto tempo?
Quando é que a burocracia se torna mais sensível, quando é que as altas patentes irão perceber que aquilo que para eles são números para nós é a nossa vida?
Há coisas que não entendo...
Ontem, faltou-me o sono mas também as forças para me levantar...
Ontem revivi tudo, como se ao início voltasse...
Mas agora não há choque a proteger o raciocínio,
só dor e uma vertiginosa saudade.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Hoje, Dia da Mãe

Hoje foi o Dia da Mãe.
Dia da Mãe...
Relembro em passagens rápidas mas incisivas da memória, a diminuição da importância que tendemos a dar a determinados dias com o decorrer dos anos.
Lembram-se de quando éramos pequenos e fazíamos no infantário e na primária prendinhas para o dia da mãe, do pai e para todas as outras datas merecedoras de serem assinaladas, incluindo até a mudança das estações?
Lembram-se do entusiasmo de os fazer e depois da expectativa de ver a reacção nos rostos de quem as recebia?
E lembram-se que com o passar dos anos tendemos a diminuir-lhes a importância que na realidade nunca deixam de ter?
Lembrei-me hoje, vezes sem conta, da expressão deles, expectante, quando me viam abrir um presente...e depois dos sorrisos virtuosos, o brilho emanescente de pura felicidade quando viam o nosso olhar encantado.
Lembrei-me sobretudo do gosto orgulhoso do sorriso dela quando recebíamos uma prenda feita por si....
Lembrei-me de todas as vezes em que sentia dúvidas em relação ao que oferecer e das vezes que pensei (confesso) em que não era necessário nada de especial e me desculpei porque afinal é "SÓ" o dia mãe e esse dia é todos os dias e não deveria haver apenas um dia para presentear uma mãe.
Lembrei-me das vezes em que me desculpei com a falta de tempo e de dinheiro para procurar a prenda adequada e porque sabia que a simplicidade para ela sempre bastou.
Hoje tive tempo e dinheiro. Tive certeza quanto à prenda....
..."só" não tive mãos para a receber...sorriso e beijo para a agradecer...
Hoje chorei por dentro
Hoje foi difícil
Entrei numa florista porque é esta a única prenda física que agora lhe posso dar.
Uma flor para a minha flor.
Um amontoado de gente...Entrei e saí...voltei a entrar. Fiquei parada à porta olhando em volta com medo de não conseguir falar sem chorar.
Enquanto esperava vi um pai e uma filha. Ela não devia de ter mais de 4 anos. Estava toda entusiasmada e perguntava "a mãe faz anos?" e o pai respondeu-lhe "não, mas é como se fizesse" e rematou para o florista "é dia de festa e para ela é o que interessa, não importa o porquê". Apeteceu-me dizer-lhe "pois devia" .
Finalmente chamaram-me e então pedi uma flor. Disse que não queria arranjo, só a flor e sra olhou-me cinicamente, desafiando-me com o olhar, provavelmente chamando-me forreta silenciosamente.
Apeteceu-me dizer-lhe que não era importante o arranjo porque ela agora não tem mãos para o receber e que não queria papelinho a dizer "beijinhos mãe" porque ela agora só me pode ler o coração.
As lágrimas empurravam-me as pálpebras e tive dificuldade em contê-las. Olhando de baixo para a sra, apenas sorri. A sra devolveu-me um sorriso honesto de volta.
Hoje senti a importância o Dia da Mãe como não sentia há muitos anos...
Hoje senti-o como nenhuma filha o devia sentir.
Hoje senti a dor de uma filha que não pode presentear a mãe e testemunhei a dor de uma mãe...que só queria de prenda a sua filha.
Hoje percebi a importância de um abraço, de um beijo, de um olhar e percebi porque é que para ela isso bastava.
Hoje percebi que o "suficiente" para uma mãe é na verdade mais que "tudo"
Pergunto-me se aí em cima também te apeteceu abraçar-me e beijar-me como a mim me consumiu o desejo de simplesmente te olhar
Hoje, mãe, não fui o sorriso que tu és.
Hoje choro porque mães não deviam morrer
Hoje, mãe, apenas te posso dar esta flor...e adormecer sonhando que durante a noite a vens buscar.
Ouço uma voz murmurar "dia da mãe é todos os dias"
...e todos os dias agora são mais do que eram...
Preferia que esses dias tivessem a tua presença,
ainda que eu não lhes desse a importância devida
...a importância que agora,sem ti, lhes dou.