domingo, 29 de junho de 2008

Saudade

E fiquei assim...
Deixei que todo o sentir tomasse conta de mim.
Deixei-o fluir e fazer os estragos que entendesse no meu ser. Cada ferida, cada chaga...cruelmente cravada, sem reacção, sem oposição.
Silenciosamente, apenas lágrimas de um choro que não sabia ser possível chorar.
Podes vir, saudade, com tudo aquilo que tens e não te conhecia, sem o embelezamento que te faz única no português.
Fere-me e arrebata-me! Deita-me ao chão com essa violência difícil de suportar.
Chorarei agora todas as lágrimas de sangue...até que o tempo torne as feridas em cicatrizes, nas quais passarei as mãos e sentirei a macieza, no meio das doces lágrimas que chora a terna saudade...

sábado, 21 de junho de 2008

Sonhos

Primeiro foi com ela, depois com ele e, por último, com os dois.

3 sonhos diferentes no cenário, semelhantes na essência.

De repente ela estava viva. Tudo tinha acontecido igual...o acidente, a morte...mas, um ressuscitar aconteceu.
Não era uma segunda oportunidade, porque alguém me dizia no sonho "sabes que isto é temporário, é só por uns dois meses, depois começam os problemas renais, hepáticos...e ela vai outra vez.
No entanto, ao mesmo tempo, parecia haver a possibilidade dela sobreviver. Era uma incógnita se morria novamente ou sobrevivia como se nada tivesse acontecido.
O mais estranho, é que eu estava incrédula. Imensamente feliz, mas incrédula. Porque olhava para ela e ela movia-se de um lado para o outro, sem parar (também, quantas vezes terei eu visto a minha mãe sentada??!!). Fazia bolos, comida, cirandava. Sorria. Toda ela! Alheia a tudo o que se passava. Acho que ela sabia que ia morrer, no sonho, mas comportava-se como se isso não tivesse a menor importância para o dia que decorria. Nesse sonho, o meu pai estava vivo...

Depois foi a vez dele. Tudo igual. O acidente, a morte da minha mãe e depois a dele. Mas aqui, a morte vs vida não era uma incógnita. Ele ia passar uma prova. Se vencesse, ficava cá. E lá estava ele, vestido qual cavaleiro, pronto para a luta. Não sei se venceu o combate....mas sei que não o vi tão feliz como a minha mãe.... Nesse sonho, a minha mãe não estava viva.

Depois foi com os dois. Não me recordo neste sonho. Sei apenas que novamente tudo tinha acontecido, mas eles tinham voltado...havendo a possibilidade de partirem novamente...

Já pensei e repensei estes sonhos, na verdade que eles contêm, no que significam.
Acho que os dois meses do sonho com a minha mãe, foram os dois dias...sempre acreditei que ela não morresse...o amor não responde a percentagens médicas. E não podia imaginá-la de outra forma que não fosse a viver o dia a dia, sem pensar no amanha.
Com o meu pai...a luta que ele travou...o meu medo do resultado...a minha incapacidade de o imaginar feliz sem a minha mãe.

Os dois vivos juntos....simplesmente O sonho...

A verdade, é que se dessem a oportunidade de os ter junto de mim outra vez, ainda que soubesse que era por pouco tempo e que teria de passar por tudo outra vez, eu aceitava. Nada de mau do que me aconteceu supera a vida imensamente feliz que eles me deram a seu lado.

Por outro lado, penso muitas vezes em como seria o meu hoje, se o meu pai tivesse ficado. Por mais casais que eu veja ficarem sem o seu amado(a), por mais que eu conhecesse a força do meu pai...não consigo conceber a sua existência sem a minha mãe. Por vezes imagino-o sozinho naquela casa, o seu dia a dia sem em ela e não concebo essa possibilidade. Amo o meu monhezinho com todos os poros do meu ser, e a única coisa que se pode sobrepor a minha vontade de o ter junto de mim, é a sua felicidade. A minha pela dele. Não sei como iria aguentar vê-lo na sua profunda tristeza. Acho que o que sinto, não se compara ao que ele iria sentir...e ao que eu sentiria por o ver assim.

Depois...cheguei a outra conclusão. O facto de terem partido os dois, não me deixa sentir a plenitude da dor por cada um. Se imagino o meu pai vivo, sinto a dor da perca da minha mãe numa intensidade superior...porque me concentro nela.

Toda a minha vida pensei que iria ficar primeiro sem pai...e agora, em nenhum sonho imagino a minha mãe viva e o meu pai ausente....porque sei que o que mudou a minha vida foi aquele dia 20...foi aí que morreu a vida que eu conhecia, acontecesse o que acontecesse depois.

Antes perturbavam-me estes sonhos...porque acordava e via o vazio da ausência com o amargo na boca de não poder abraçar os pensamentos.

Agora desejo sonhar...sei criar a minha realidade paralela, em que dou forma ao sentimento e materializo recordações. Encho o meu balão de memória e subo alto. Fugindo ao peso da saudade, tenho um lugar só meu, onde vejo, sinto e toco. E quando a vigília me chama e eu desço de novo ao físico, sei intimamente que a a realidade não é só razão, o sonho tem lugar, e será sempre uma mentirosa verdade, que de tempos a tempos, eu e vocês, estamos à distância de um olhar.

sábado, 7 de junho de 2008

O Peso da Mudança

A mudança custa tanto...
De onde virá esta resistência do ser humano ao diferente? Este contracenso de desgostar da rotina e simultaneamente renegar a mudança?
Custa-nos sempre mudar...de casa, de emprego, de relação, de visual...ainda que para melhor, a mudança assusta porque é desconhecida e tendemos a temer o que não conhecemos.
A minha vida mudou, radicalmente, mas este processo de transição não tem que trazer necessariamente só coisas más. Custa porque foi imposto, sem escolha e implica uma mudança de formas ausentes que não queria experimentar. Custa porque tudo o que até aqui era a realidade que conhecia, não se voltará a repetir. Custa, porque temo o desconhecido. Custa, porque não posso voltar atrás. Tento encarar isto como uma evolução e manter-me receptiva à vivência das coisas novas que até aqui ocorriam sempre da mesma maneira e que sempre esperei ver repetidas por muitos e muitos anos. Mas a verdade, gostava desse comodismo...do que tinha por certo e inabalável.
Não aconteceu. E agora? Valerá a pena remoer, rebuscar, pensar como era? Não creio. Mas ainda não consegui abrir totalmente o coração à mudança.
Agora que a dor é silenciosa, agora que a verdade me atropela e a consciência volta a mim, o receio, o medo, a surpresa, a novidade, o novo...a saudade...explodem em todo o seu esplendor, no bom e no mau.
Por vezes penso que estou a reaprender a viver, que fui transportada para uma nova realidade e tenho de aprender a viver nela...adaptação...a terra continua redonda, a geografia mapeada, os relógios contando e somando...mas a ausência que os meus olhos alcançam ainda é muito vazia...

Não questiono a vida, a nossa ignorância do acontecer é demasiado grande para que eu a julgue.
Sim, temo a mudança, mas não lhe coloco entraves...receosa, assustada, mas esperançosa, espero do futuro o bem que ele certamente trará...mas continuo grande parte do meu dia a viver esta segunda vida que criei em mim, esta realidade paralela em que finjo que há momentos que não aconteceram...
Mas não traio os genes que carrego na alma e no peito, as memórias e os olhares que não se apagam...tive neles, toda a vida e até ao seu último suspiro, os exemplos da força que contrariam a própria ciência, a força que vai além do corpo...
...Não me sento à espera da vida...corro para a não deixar acontecer antes de mim.

...No meu coração, lado a lado com a saudade, um sonho...o de voltar a ser imensamente feliz.