domingo, 18 de maio de 2008

Culpas

Arrumando mais uns quantos papeis, deparei-me com uma série de apontamentos da minha mãe, lembrando pedidos de informação a realizar, ou anotando informações já obtidas de diversos assuntos a meu respeito. Banalidades que eu própria poderia ter feito, mas que ela, mesmo sem eu pedir, fazia por mim.

Sempre, sempre, Mãe, Amiga. Preocupada, atenta. Sempre um passo à frente das minhas dúvidas, com respostas prontas para as perguntas que eu ainda nem tinha feito.

Bateu-me novamente a única culpa que me atormenta em todo este acontecimento.

Não fui capaz mãe. Não fui. E agora, mesmo magicando "milhentas" formas de minimizar o impacto que aquele momento certamente teria para o resto dos meus dias, ainda assim, se pudesse voltar atrás...provavelmente continuaria a não ser capaz.

Nunca na tua vida me deixaste de dar a mão, por mais difícil que fosse o instante. Nunca.

E eu...

No ultimo momento da tua extraordinária vida...abandonei-te. Quando tu mais precisaste de mim...Não fui capaz, mãe, desculpa.

Desculpo-me com a certeza de que se tivesses consciente, nunca permitirias que eu e o Hugo entrássemos e te víssemos como...apenas posso imaginar e não o faço...terás ficado. A certeza de que gostarias que ficássemos com a imagem que temos de ti. Mas ainda assim me pergunto, não terás sentido a nossa falta? Não terás querido ouvir-nos, sentir-nos uma última vez antes de partires? E tenho uma certeza...se fosse eu ou o Hugo ali...tu terias entrado.

Provavelmente na dimensão do teu amor pensaste, como sempre, em nós. E sabes que foi o melhor....ainda assim...é um conflito que ainda não consegui resolver.

Sabes que contigo foi mais difícil...contrariamente ao que sempre julguei. Foi tudo muito rápido. Não me deu tempo de aperceber, não controlei a situação, vivia de tal forma chocada que não a interiorizei totalmente. Custa-me mais acreditar que tu foste do que o pai. Tu és a força, a inabalável, aquela que sorri quando chora por dentro, aquela que sem forças levanta qualquer peso. Tu és a imortal.

És Mãe. A minha primeira casa foi o teu ventre, o teu leite a minha primeira subsistência, os teus olhos o meu exame diagnostico, as tuas mãos o meu curador,o teu sorriso, a minha fonte de energia, o teu ser o meu orgulho.

Custa não poder ter-me despedido de ti...e de não saber ainda se esse poder...podia mesmo ou não.

Penso no instante antes de te terem adormecido...e invade-me a certeza de que nunca pensaste que irias morrer. Penso em ti ali deitada, sozinha, lutando de forma natural com todas as forças, para regressares rápido à vida que tanto amavas...para junto do marido que sempre amaste e completaste...para perto dos filhos a quem incondicionalmente dedicaste a maior parte do teu ser e, certamente o teu ultimo pensamento, exalando de ti amor no último suspiro da tua vida.

É incrível a forma como enches e influencias a vida de todos, mesmo daí onde agora estás.

Hoje sonhei contigo...continuas a visitar-me e sei que o farás até que eu e todos os que amam consigamos achar a paz de que necessitamos para seguir em frente com um sorriso.

À medida que o corarão vai de encontro aos dedos que escrevem estas palavras, sinto-te colocar o manto de conforto nos meus ombros. Olho para o fundo da sala e vejo-te lá a dizeres-me "Deixa-te de parvoíces. Não é o instante que mede o amor, muito menos a coragem. Num momento em que também tu precisavas de mim, lembraste tudo o que te disse acerca da morte e da importância da última imagem. No choque do imprevisto que nunca pensaste sentir na pele, conseguiste lembrar e sentir, sabias que eu não gostaria que me visses assim e querendo entrar, por medo, por amor e não por cobardia, cumpriste o que sabias intrinsecamente ser a minha vontade, porque és minha filha, conheces-me, amas-me e respeitas-me. No teu maior desespero, não foste egoísta. Isso é amor filha"

Ou é o que prefiro pensar para me sentir melhor comigo...

Daqui, onde estou mãe, esforço-me para que tu e o pai vejam o que tento ser, esforço-me por vos orgulhar, por poderem dizer que fizeram um bom trabalho.

Sempre me disseste que o teu maior erro foi nunca nos teres preparado para a morte. Espero que, aí do alto, ou aqui ao lado, onde te sinto tantas vezes, possas agora dizer:

"Afinal estava enganada"

2 comentários:

Anónimo disse...

Filipa.
Quando nada parece bater certo,
quando nada parece fazer sentido
e ficamos perdidos sem saber o que fazer ou dizer.
Olhamos o infinito
e gritamos...
e agarramos...
e guardamos cá dentro
as recordações.

Socorrendo-me da força da palavra de Manuel Alegre recordo:

"Requiem

Há mortos que demoram a morrer
é inútil sepultá-los eles voltam
demoram-se por vezes numa sombra
num braço de cadeira ou no rebordo partido de uma chávena. Ou então escondem-se em pequenas caixas sobre as mesas.
Há objectos que ficam cheios deles
são como o resto transmudado dos ausentes
sua marca na casa e no efémero.
Por isso custa tanto retirar o prato e o talher
arrumar os fatos desfazer
a cama. Há mortos
que nunca mais se vão embora
Há mortos que não param de doer."

Bjs gorrrrrdos.

Unknown disse...

Que lição de vida...me estás a dar !!!
Estou sem palavras...AMIGA "virtual"!!!
Beijo do tamanho do mundo.
Nuno Pimenta