sexta-feira, 9 de maio de 2008

Mudanças

Normalmente tendo a desabafar aqui os momentos menos bons. São esses que necessito de libertar de mim,embora sinta que são necessários de viver.

Acredito que a única forma de conseguir seguir em frente é vivenciar na altura certa estes sentimentos dolorosos. Como numa queda livre, é necessário cair no chão, para nos erguermos e voltarmos a subir...

Não creio que tenha batido ainda no fundo...mas de tempos a tempos sinto a dor do impacto da queda e logo depois a dor de escalar a montanha da vida. Um pouquinho para cima, caio, volto a subir.

Só sei que a queda me parece agora menos vertiginosa, embora haja momentos, menos frequentes mas mais incisivos, em que me sinto cair descontrolada sem ver o fundo. Mas não estou colada ao chão.

Sinto um deles quando olho para cima, estendendo-me a mão, e o outro em baixo empurrando-me para cima...

São raras as vezes que me sinto sozinha, sinto que eles estão comigo, nas memórias, nos ensinamentos, no amor e numa forma que não sei justificar ou provar, mas que sinto profundamente.

Esta dor, é como um vazio que enche.

É permanente, não dá folga. Não há um único minuto do meu dia em que não saiba intimamente que eles partiram. No entanto, sinto-os tão presentes que me apetece orgulhá-los, viver como eles viveram e de acordo com aquilo que me ensinaram e fizeram de mim.


Quando me perguntam de que forma este acontecimento mudou a minha vida, não sei responder. Repito que aquela máxima de que passamos a viver a vida ao segundo não cola. Na realidade, acho que acontece precisamente o contrário. Estou prudente como nunca fui. Tenho medo da morte como nunca tive. Estou consciente da minha própria mortalidade, como nunca estive.

A máxima do só acontece aos outros deixou de existir na minha vida. É estranho e assustador passar a fazer parte dos "outros".

Como me disse o Dias"já sabia que era mortal, não sabia é que era tanto".

Uma das coisas que mais me custa combater é o medo. Medo de perder mais pessoas que amo, medo de morrer...porque agora SEI que a morte pode estar à distancia de "um dia como outro qualquer"...

Medo de não ter tempo de viver como eles viveram, marcar este mundo como eles marcaram, legar nos meus filhos, nos meus amigos, na minha família, o orgulho que eles legaram em mim.

É tão bom este sentimento de amor. Sou apaixonada pelos meus pais, sempre serei e isso é a maior herança que eles me deixaram, a presença que não precisa de forma física, o Amor, naquilo que ele é e não se diz ou escreve, sente-se.

Se há forma de ter mudado a minha maneira de ver é essa, é a vontade de ser melhor como pessoa, tocar tudo e todos, viver, fazer com que a passagem aqui faça sentido.

A saudade é avassaladora? É! Mas não conheço outra forma de estar na vida que não seja lutar e continuar. Acho que há só duas formas de encarar os obstáculos da vida, a revolta e inacção e o levantar a cabeça e continuar. É sempre mais fácil cair que levantar, desistir que lutar.

Opto pela segunda,por difícil que ela seja.

Só conheço uma forma de olhar para a vida - para a frente!

Se há 3 meses me tivessem dito que iria ficar sem um deles...diria imediatamente "não serei capaz"...hoje, estou sem os dois e responderei a quem me perguntar que não há nada, nada que a vida nos apresente que não sejamos capazes de ultrapassar. Temos forças que desconhecemos. Hoje não aceito ouvir "não serei capaz".


Hoje leio aquele tipo de mail que temos tendência a clicar compulsivamente para chegar ao fim, de outra forma. É verdade sim, que necessitamos de muito sofrimento para dar o real valor das pequenas coisas. Hoje alegro-me com coisas tão simples que não sabia terem tanta alegria, hoje declino gentilmente sentimentos que mais não servem que para encher alma e coração de inutilidades. Para quê perder tempo com sentimentos mesquinhos e preocupações sem importância?

Apetece-me dizer aos outros que vivam, que aproveitem o que a vida tem de melhor. Não pensem que amanhã podem não cá estar, mas amem e alegrem-se cada dia, um por um, não deixem de dar o abraço e o beijo que querem. Há amanhãs q não vão acontecer. Mas pra vivermos o dia na sua plenitude, não precisamos nem podemos albergar esse pensamento de medo, de mortalidade.

Aqui há uns tempos, estava em casa da Marta no Algarve. Ela recebeu um telefonema da mãe e ficou comprometida, porque eu estava presente. Não foi o tipo de telefonema carinhoso com muitos bjs q eu estava habituada a ver.

Então lembrei-me...quando vim a Lisboa no velório do pai do Bruno, apeteceu-me abraçar o meu pai como se não houvesse amanhã. Mas, por respeito ao Bruno não o fiz. Uma sensação desagradável permaneceu em mim e no dia a seguir ponderei ir ter com ele ao trabalho antes de ir para o Algarve, para o abraçar...não o fiz...e não tive outra oportunidade de o fazer.

Lembro-me da sensação e pergunto-me se intimamente sabia que aquele iria ser o último abraço mútuo.

Lembro-me de olhar para a minha mãe e me apetecer dizer-lhe "Não morram"...mas não disse...

Hoje sei que o Bruno não se iria importar com aquele abraço, como eu n me importaria que a Marta enchesse a mãe de beijos.

Abracem-nos, beijem-nos,digam-lhes...olhem-nos...pois a sensação de querer e não poder, essa sim, dói, incomoda.

Pode parecer loucura....mas sinto-me afortunada. Tive os pais mais maravilhosos que posso imaginar, que cumpriram a sua missão educativa na perfeição e viveram como poucos sabem viver, ainda que por pouco tempo.
Deixaram-me força, princípios, a possibilidade de me fazer pessoa, de estar nesta vida a viver, sem simplesmente acontecer. Deixaram-me um baú de memórias que jamais irei perder, um amor imenso que os mantém próximos e vivos.
Ainda que pudesse escolher não sentir a dor que agora sinto, se a trocasse pelos 27 anos que a vida me deu ao seu lado , não trocaria.
De onde quer que me estejam a ver, dê-me o rio da vida as pedras que der, jamais me verão à margem do viver.
O Humberto disse um dia "há dois tipos de pessoas nesta vida, os lobos e os cordeiros".
Aqueles que me julgam cordeiro, ainda me vão ouvir uivar muito alto!

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