terça-feira, 9 de setembro de 2008

Pai


Quando nasci, será que te escolhi?


Não me lembro da primeira vez que te vi, gravo no meu coração a paixão que por ti sempre senti.
Não acredito em amor mais ou menos. Acredito que há almas que se pertencem, encontram-se e desencontram-se sem nunca se separarem. Como tu e eu...
Toda a vida me completaste. Foste a presença na minha solidão, o refúgio da minha confusão. Foste a razão do meu sentimento e a paixão do meu pensamento.
Sempre te amei loucamente. Amava profundamente o teu Ego incomparável. Nas minhas veias o sangue corria acelerado pelo ritmo cardíaco desenfreadamente aumentado, os olhos brilhavam e as mãos tremiam, a excitação de não conter o orgulho que me transbordava pelos poros, de cada vez que dizia a alguém "este é o meu Pai!"
Não sei escrever a dor da tua ausência...para mim serás sempre presença.
Mas há momentos em que sinto dificuldade em pensar. Momentos em que a emoção faz KO à razão.
A dor da tua ausência física é dilacerante, irracional
Por vezes apetece-me gritar descontrolada, correr sem rumo, desalvorada, por um qualquer caminho. Espreitar, ansiosa, a cada esquina na esperança de lá te encontrar, correr para ti e abraçar-te até me doerem os braços e me sufocarem as forças. Aí dizes-me "está tudo bem, foi só uma brincadeira"


Mas o momento não acontece...


Desorientada pela cegueira da tua ausência, caio atordoada num qualquer canto do vazio e choro.
É então que fecho as portas e as janelas a este espaço físico em que me deixaste. Viro-me para dentro de mim e dou-te a mão. Oiço as tuas piadas de criança que o tempo nunca adormeceu, vejo as trapalhadas, sinto o teu chamar carinhoso, revivo o afagar de ternura enquanto quando me deitavas, sinto o cheiro do teu amor.
Continuas a ser a presença forte e verdadeira. Sinto-te como a qualquer outro estimulo táctico.
O manto da fatalidade não encobriu a tua vida.
Não há tempo nem espaço que apaguem aquilo que vivemos...memórias de um tempo que jamais poderei esquecer...porque fui imensamente feliz...tão vivas e intensas que as posso sentir...
Sabes pai, vejo-te sempre melhor de olhos abertos. Não gosto de fechar os olhos para pensar em ti.
Ás vezes posso jurar que estás aqui...mesmo ao lado. Reprimo o impulso de olhar por cima do ombro...inutilmente...acabo sempre por olhar. Um relance discreto pelo canto do olho e, ainda que por um instante, acredito ver-te lá.
Gosto de me lembrar da última vez que te vi...Foi o momento da mais bela declaração de amor que já fiz. Foi o momento em que percebi que a alma não é o corpo onde mora.
Se pudesse agarrar o tempo, por um instante que fosse, repetia aquele momento até que a voz me faltasse, a vista me atraiçoasse, a alma me evaporasse...
Debaixo de qualquer ligadura ou lençol, no embrenhado de tubos à tua volta...apenas te vi a ti paizinho...nu de corpo emprestado...duas almas sem forma física que se olham num complemento sem adjectivo ou explicação. Ouço a tua respiração calma...desaparece lentamente o som da maquinaria medicinal que diziam fazer tudo por ti...nunca, jamais, qualquer artefacto me amou por ti.
Naquele momento olhámo-nos e sorriste-me. Sei que o tempo parou...somente nós...duas almas que se pertencem, imunes a qualquer acontecimento espacial.


Soube ali, pai, que és imortal.


Por não acreditar no que sabia acordada, falaste-me à noite, naquele espaço que não é só ilusão...naquele sonho, numa fracção de pensamento, o teu coração falou-me. Não podia dar-te outra resposta. O meu coração gritava de impulso a emergência da minha necessidade de perpetuar um pedaço de realidade, que, sabia-o bem, estava terminada. Mas nunca me ensinaste a ser egoísta...tinhas de ir, pra ela, continuar a tua vida, longe do meu olhar, reforçada no meu coração.


Aquele minuto agonizante...senti-o como se parte de mim mesma fosse contigo...cheguei a pensar que não ia aguentar...quando peguei no telefone sabia...mas deixei-te ir com a calma que eu e tu nunca soubemos ter...deixei cair a lágrima doce do meu agradecimento por me teres deixado despedir de ti...por me teres preparado...por teres escolhido o caminho do amor.


Portámo-nos bem, tu e eu, não achas?


Todos os dias me esforço por merecer cada vez mais o nome que me deste...por aplicar os princípios que me ensinaste, por partilhar com os outros o amor que em mim semeaste...

...e cada dia me orgulho mais por ser tua filha...


Quando me sinto a perder a força, olho...e lá está tu. Gritas-me do alto do cume a esperança que me alcança em certeza...a certeza que o dia em que te ausentaste da minha vista, não foi a última vez que te vi.



AMO-TE MONHEZINHO....JAMAIS TE DEIXAREI MORRER!

2 comentários:

Ego. disse...

Estou arrepiada...
Sortuda tu e teu paizinho!
Bju!

Anónimo disse...

Era impossível não nos apaixornarmos por um ser tão doce. Fica para sempre e sempre e tempo nenhum o apaga, nem as memórias que guardo.