Assomou na esquina.
Instintivamente a minha alegria chamou por ele.
E ele veio, sedento de se afagar nas minhas mãos moles de saudade.
Chamei-o pelo nome que a rua que o adoptou lhe designou.
Perguntei-lhe naquele tom de voz tão parvo, que só a nossa tentativa de inocência canina pode alcançar, se queria comer.
Rapidamente ligou a ventoinha peluda e começou a dançar ao meu redor.
Foi aí que o olhei de frente.
E senti-me...transparente!
Nunca nenhum olhar humano me viu, como aqueles olhos caninos o fizeram.
Espelhou em mim a inocência sincera do que ele é e eu nunca poderei ser.
Ficou ali, á espera somente do que eu lhe tinha para dar, aguardando o tempo que eu decidi que tinha para ele.
Não me pediu mais, voltou-me a barriga para um último carinho e lambeu-me as mãos, num ritual fácil.
Foi rua abaixo e voltou a esquina, não sem antes procurar o meu olhar num "até logo silencioso".
Até chegar à cama tosca que alguém carinhosamente preparou para ele, foi cumprimentando um sem número de corações conquistados pela sua simpatia agradecida.
Às vezes vejo-o farejando esses cantos afora e pergunto-me se procura a família que não o foi, quando decidiu que ele já não fazia parte dela.
Jogado na rua não faz, de certeza julgamento e, acredito, que seria vê-lo a abanar a sua ventoinha peluda se encontrasse quem não o procura mais.
Este é o meu novo amigo!
Não há chuva, cansaço ou noite mal dormida que o impeçam de me dar um bom dia, uma boa tarde, um até amanha.
Não há tempo que falte, que o faça não ter tempo para mim, e para todas as mãos que lhe dão o que podem dar, não há falta de tempo, que o seja para os seus amigos...
Dou por mim hoje a pensar, estarei assim tão louca, ou apenas tomando consciência da minha condição defeituosamente Humana, quando hoje digo "caramba, as coisas que eu aprendo com um cão!"